segunda-feira, 13 de junho de 2011

Desumanidade nas Ciencias Humanas

A academia como objeto de controle da ciência.


O que é Ciência? Para que deve servir? A separação entre senso comum e conhecimento científico ainda acende um debate que de maneira alguma deve ser considerado extinto. Se a Ciência se afirma em questionamentos que devem ser respondidos, normatizados e organizados para que possam ser realizadas novas experiências, então sempre deve haver um questionamento dos métodos utilizados. A partir do momento em que a Ciência deixa a possibilidade de novos questionamentos ela se transforma em senso comum e deixa de ser Ciência. Ela se torna fé quando sua tese não admite questionamentos.
Desde o seu surgimento, a Academia, dona dos meios de produção das Ciências, formam uma elite intelectual. Controlam o que deve ser considerado Ciência. Tanto permitem como impedem o acesso ao status de sua classe. A essa elite restringe-se o direito do pensar como oficio. Para se ingressar nessa elite deve se seguir um conjunto de normas. Deve se seguir um método pré-estabelecido por aquele que julgará sua capacidade de pertencer ou não a essa classe. Sendo assim, o pensamento deve seguir uma linha pré-determinada, o que ao invés de ampliar, delimita um campo. Limita a possibilidade de novas visões e perspectivas sobre os objetos e as problemáticas.
A partir de seu ingresso na Universidade o sujeito se vê obrigado a seguir conteúdos pré-programados que visam sua formação. Esses conteúdos servem para que o sujeito tenha uma base sobre o mundo cientifico e assim busque sua própria visão de mundo. Mas, os métodos utilizados nesse período de preparação servem também como delimitador de campo. As práxis nos “centros de saber” ainda são baseadas em respostas exatas. As avaliações não permitem a criação, mas sim a repetição de conceitos. Assim a Universidade se transforma em uma fábrica do saber, onde o sistema educacional funciona como uma linha de produção, e o conhecimento produzido segue uma lógica mercadológica.
Essa lógica educacional tem um sentido. Não é fruto do mero acaso. É uma construção que transita por vários aspectos sociais. Sua principal finalidade, a formação, delimita o pensar. Cria uma meta de desenvolvimento que não admite desvios. Serve para a manutenção da ordem vigente, e não o contrário. O desenvolvimento cientifico não admite uma mudança radical, pois é parte de uma engrenagem que movimenta todo um sistema.

As idéias positivas e o surgimento das “Ciências Humanas”

A Universidade deve sua existência ao processo de laicisação do ensino. Esse processo é fruto de uma série de questionamentos que abalou as estruturas sociais de uma época. A transformação que trouxe foi tão forte que possibilitou o surgimento de um novo modelo de sociedade. A revolução no modo de pensar criou um movimento no que antes era estático. Mas, ao afirmar-se, criou um modelo que padroniza seus próprios meios de existência. Assim, a ciência segue em um movimento espiral, centra se em si. Esse movimento impele tudo que venha de fora para as bordas. Ou seja, o novo é lançado à margem. Enquanto não houver um alinhamento dessa nova idéia, enquanto não orbitar o padrão pré-estabelecido, o novo corre o risco de ser lançado para fora do sistema.
A racionalização serve então como um delimitador. É fria e lógica. Necessita um alienígena que apenas observe os fenômenos, que não interfira. Que apenas relate de maneira padronizada o fenômeno observado. Essa necessidade exclui a possibilidade da subjetividade. Como observar de maneira fria quando o ser humano age de acordo com sentimentos? Como enquadrar em um conjunto de normas, de maneira cartesiana, o amor?
Mesmo que renegue, as Ciências Humanas ainda seguem as quatro regras básicas do cartesianismo. A verificação, análise, enumeração e síntese ainda são exigidas pela academia para validar o pensamento cientifico. Tanto teses quanto dissertações passam pelo crivo cartesiano no momento em que se normalizam. Assim, mesmo as Ciências humanas não são humanizadas. São frias, pois observam a vida de maneira catedrática.

O problema da idéia de progresso “humano”


Com a racionalização exigida, a Ciência tende a desenvolver um ideal de progresso. Deve ter um sentido positivo e buscar soluções. Dessa forma, serve de maneira excelente para a ordem mercadológica, está ligada a um tecnicismo que excluí o humano. A racionalização exige a validação de dados observados. Exige uma padronização do observável e impossibilita a transcrição do sensível.
O Humano não é completo sem seus sentimentos então não é observável por completo. Assim, a norma Acadêmica impossibilita o Humano como objeto de pesquisa. Permite apenas visões parciais que mesmo juntas não conseguem exprimir um modelo do real, pois o real é sensível e não descritível. É impossível separar o sujeito do objeto porque ambos estão ligados. Um é parte do outro e são indivisíveis.
Parte do erro epistemológico cartesiano e empirista está na raiz de seu surgimento. A separação entre sujeito e objeto se deu no início do rompimento com o pensamento dogmático. Mas ainda havia a necessidade de separar o homem da natureza e colocá-lo em um plano superior. Seria uma mudança muito radical para a época se o homem, antes tido como ser eleito pelo divino fosse colocado como igual aos outros seres da natureza. Então a separação ocorre e o fator determinante de diferenciação, homem x animal, é a razão.
Mas, a razão exige um esforço sobre humano. Ela necessita uma abdicação do que é natural, instintivo. Assim, o homem abdica sua natureza em favor do artificial. Cria-se uma falsa noção de progresso, de desenvolvimento, pois tenta buscar uma ordem no que na verdade é caótico. A tentativa de padronização da forma de se transcrever a realidade resultou na criação de normas e técnicas. Essas normas e técnicas exigidas pela Academia são, na verdade, os resquícios de uma epistemologia considerada ultrapassada. Essa padronização serve principalmente ao desenvolvimento material. Assim, o desenvolvimento tecnológico avançou, enquanto o pensar se estratificou.

O problema da linguagem

A Academia cria uma linguagem própria. Essa linguagem é o resultado da necessidade de se comunicar algo a um grupo específico. Mas, ao mesmo tempo em que serve para nomear e aprofundar a descrição serve também como elemento de exclusão. No momento em que cria sua própria linguagem a Ciência cria também a necessidade da existência de um dicionário de termos para aqueles que estão fora do circulo acadêmico. Essa Linguagem cria uma identidade e consolida o status de classe à Academia.
As normas, nesse sentido, limitam a possibilidade de descrição. Os pensamentos devem ser embasados em teóricos que já pertencem ao circulo Acadêmico, e assim se limitam as possibilidades do novo. As citações servem, ao mesmo tempo, para a repetição de conceitos já existentes quanto para sua crítica. Mas, mesmo assim, ainda delimitam o pensar. E quando o objeto não foi alvo da Ciência? E se a linguagem utilizada não seguir os padrões pré-determinados? Nesse caso, de maneira fria, a Academia renega a nova teoria. Não importa se essa teoria revoluciona o modo de pensar, ela será excluída do meio acadêmico.
Alega-se ser um refinamento de qualidade, mas na verdade é a negação de um modo de pensar. Por mais simplista, por mais absurda, que pareça ser uma nova idéia, ela não pode ser destruída por não se enquadrar em uma norma. Deve ser dada a possibilidade de multiplicar-se como Meme. Sua existência deve ser provada por sua capacidade de ser absorvida pelos receptores e não pela falta de utilização da linguagem técnica adequada.

O modelo acadêmico nacional, a busca de uma identidade.

A história do pensamento nacional é recente. Enquanto o modelo europeu é fruto de séculos de tradição escrita, no Brasil somente após a chegada da Família Real é que iremos ter um processo organizado no sistema educacional. Em um primeiro momento iremos ter conceitos importados da velha Europa. Somente após um processo de formação de uma “Elite Intelectual” no exterior é que irá surgir um embrião de pensamento realmente brasileiro. Por isso ainda temos uma forte influencia européia no pensamento nacional.
O surgimento do pensamento liberal é tardio e, mesmo assim, impregnado de valores aristocráticos considerados inquestionáveis. A Universidade surge como alternativa à pequena burguesia que não conseguia enviar seus filhos ao exterior para estudar, e seu surgimento não visa a emancipação através do conhecimento, mas sim uma formação que garanta uma estabilidade financeira.
Quando o país inicia seu processo de industrialização, a Universidade passa a servir como instrumento de formação de pessoal técnico, necessário para a operação do maquinário das novas industrias. Assim, em sua gênese, o modelo epistemológico brasileiro é tecnicista. Visa uma formação que excluí a possibilidade da formação crítica e impede o rompimento com o modelo cartesiano. Assim, cria-se um circulo vicioso, pois o sistema educacional não consegue se perceber como prisioneiro, vive fechado, e as regras se tornam inquestionáveis. E mesmo a liberdade de objeto está limitada às normas criadas pela própria Academia.

Uma nova metodologia.

A grande problemática se dá quando pensamos em romper com um modelo de pensamento. Se a liberdade só é conhecida plenamente por quem já foi livre, como alguém, que sempre viveu preso, pode conhecer o que é a liberdade? Seguimos normas criadas por associações tecnicistas. Nossa Academia é elitista. Assim, como garantir o acesso real a seu status? Devemos nos enquadrar nesse sistema, ou criar novos mecanismos que possibilitem uma nova forma de se pensar e perceber o mundo? É possível a criação de um modelo novo? Será que essa elite realmente compreende o mundo a ponto de ser considerada a única detentora da verdade?
Vários pensadores já compreenderam que a Ciência tem se dogmatizado e ainda se mantém elitista. Morin propõe uma Teoria da Complexidade que seria uma resposta mais humana ao cartesianismo ainda existente. Freire também propõe métodos de pesquisa alternativa. Boaventura propõe uma renovação da teoria crítica, e Bourdieu percebe a Censura da Academia.
Percebe-se assim, o início de uma série de críticas ao modelo Acadêmico atual. Críticas essas que devem ser aceitas, sob o risco de se tornarem comprovadas, pois sua negação seria apenas seria mais uma forma de se provar que a Ciência se dogmatizou. Em outras palavras, transformou-se em uma fé inabalável e talvez mais perigosa que seu modelo antecessor.

Referencias:

BOURDIER, Pierre. A Censura. Disponível em: < http://www.4shared.com/document/mR7kX0tm/A_Censura__Pierre_Bourdieu_.htm >. Acesso em: 27 de Jun. 2011.

FREIRE, Paulo. Criando Métodos de Pesquisa Alternativa: aprendendo a faze-la melhor através da ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 2001.

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto. Alegre: Editora Sulina, 2005.

SANTOS, Boaventura. Renovar a teoria critica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.


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